PROCESSO LEGISLATIVO ORÇAMENTÁRIO E A RESSALVA À "REGRA DE OURO"


AUTOR: Antonio Carlos Costa d'Ávila Carvalho Júnior - Professor de Orçamento Público e Gestão Fiscal - professordavila@hotmail.com
OBSERVAÇÃO: permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o autor.


A chamada “regra de ouro” das finanças públicas tem sido um dos assuntos mais comentados nos últimos tempos.
De acordo com informações publicadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a margem para cumprimento dessa regra está cada vez mais apertada, como mostra o gráfico a seguir. As causas seriam as seguintes:
(i) resultados primários deficitários; e
(ii) redução no montante das receitas financeiras, tais como: transferência do resultado cambial do Banco Central ao Tesouro Nacional, remuneração da conta única do TN no Bacen, e retorno de recursos de empréstimos concedidos às instituições financeiras federais (BNDES, Banco do Brasil etc).






















Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)
Observação: a margem negativa de 2018 já foi reestimada para R$ 208 bilhões.



Em entrevista no início deste ano, integrantes da equipe econômica do governo federal informaram que a “margem” para o ano de 2018 já estaria em cerca de R$ 208 bilhões negativos, e não mais em R$ 184 bilhões, e que medidas estariam sendo adotadas para garantir o cumprimento da regra ao longo do exercício.
Quanto ao exercício de 2019, a possibilidade de não se cumprir a “regra de ouro” existe. Ou seja, estima-se que para que seja possível executar todas as despesas da União em 2019 seja necessário efetuar a emissão de mais títulos públicos, o que, dada a situação de impossibilidade de se reduzir, no curto prazo, despesas correntes (obrigatórias e/ou discricionárias incomprimíveis) e de se obter outras fontes de receita orçamentária, resultaria na elaboração de Projeto de Lei Orçamentária Anual com o montante de receitas de operação de crédito superior ao das despesas de capital.
Ocorre que, para que o total das receitas com operação de crédito possa ser superior ao das despesas de capital, é preciso “ressalvar a regra de ouro”, como determinada a parte final do art. 167, III, da Carta Política de 1988.
Nesse sentido, o presente texto procura apresentar os procedimentos que precisariam ser colocados em prática para operacionalizar tal ressalva, concluindo, ao final, que:
(i) o total das despesas constantes do Projeto de Lei Orçamentária Anual referente ao exercício financeiro de 2019 (PLOA2019) a ser encaminhado ao Congresso Nacional pelo Chefe do Poder Executivo não pode ser superior ao total das fontes de financiamento viáveis e possíveis para referido exercício; e
(ii) é compatível com o ordenamento jurídico em vigor, por se tratar de situação excepcionalíssima prevista pela própria Constituição da República, o encaminhamento ao Congresso Nacional, em paralelo à apreciação do PLOA2019, do Projeto de Lei de Crédito Adicional (especial ou suplementar) destinado a ressalvar a “regra de ouro”.
O desenvolvimento do presente texto adota as seguintes premissas:
(i) não há como obter, para o exercício de 2019, outras fontes de financiamento que não as derivadas de operação de crédito; e
(ii) não há como efetuar corte de gastos discricionários ou obrigatórios para o exercício de 2019;
(iii) para o exercício financeiro de 2019, a margem de cumprimento da “regra de ouro” terá valor negativo, necessitando-se ressalvar seu cumprimento, nos termos do art. 167, III, da Carta da República.
 A “REGRA DE OURO” POSITIVADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Sem desejar tecer maiores considerações a respeito da mesma, a “regra de ouro” trazida pelo texto constitucional veda, in verbis:
Art. 167, Omissis
III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;
O objetivo é impedir que o ente federado, ao longo de todo o exercício financeiro, dependa da obtenção de recursos de terceiros para o financiamento de seus dispêndios correntes.
Como visto, referida vedação pode ser ressalvada, desde que adotado procedimento excepcionalíssimo, qual seja: que as operações de crédito que derem azo ao descumprimento da regra sejam autorizadas “dentro” de projetos de crédito adicional a serem aprovados pelo Congresso Nacional por maioria absoluta.
PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO VERSUS PROCESSO LEGISLATIVO ORÇAMENTÁRIO
A Constituição da República de 1988 instituiu, basicamente, dois tipos de processo legislativo: o ordinário e o orçamentário. Cada qual possui foro e procedimentos próprios. As normas geradas pelo processo legislativo ordinário possuem, em regra, caráter genérico e validade indefinida, enquanto que as normas do processo legislativo orçamentário são, em geral, de natureza concreta e de caráter periódico.
Existem outras diferenças entre tais processos. Nas palavras de Eber Zoehler Santa Helena (em Conflitos Temporais entre os Processos Legislativos Ordinário e Orçamentário, E-Legis, Câmara dos Deputados, 2011, p. 12), in verbis:
O processo legislativo ordinário é bicameral. A proposição é apreciada por comissões permanentes ou temporárias e posteriormente, ou mesmo sem apreciação dessas comissões, pelos Plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e vice-versa, em etapas distintas e separadas. Já o processo orçamentário é unicameral, a proposição é apreciada primeiramente por uma comissão mista, única com previsão expressa no texto constitucional, e após pelo Plenário do Congresso Nacional, ambos os foros em reunião conjunta dos membros das duas Casas, ainda que em votação separada.” (Grifou-se)
Ainda de acordo com Eber Zoehler Santa Helena, verbis:
O processo legislativo ordinário é permanente e conta com procedimentos distintos em ambas as Casas, com prazos impróprios, hipótese em que a omissão tem caráter comissivo, a exemplo do mecanismo da obstrução parlamentar. O processo orçamentário é expedito em razão da necessidade da Administração pública ter seus instrumentos de gestão a tempo, tem prazos pré-fixados constitucionalmente, inclusive com sanção para o caso de sua não observância, como o não encerramento do 1º período da sessão legislativa se não aprovada a LDO, conforme o art. 57, § 2º, da Constituição.” (Grifou-se)
A existência de referida “ramificação” do processo legislativo pode ser constatada por intermédio da leitura dos diversos dispositivos contidos na Seção II – Dos Orçamentos, Capítulo II – Das Finanças Públicas, Título VI – Da Tributação e do Orçamento, da Constituição da República de 1988, em especial o artigo 166, § 7º, e o artigo 165, § 8º, ambos transcritos in verbis:
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
(...)
§ 7º - Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.” (Grifou-se)
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
(...)
§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.” (Grifou-se)
A dicção do art. 166, § 7º, é claríssima: existe um conjunto de dispositivos constitucionais especificamente redigidos para regular o processo legislativo orçamentário. Vale dizer, a ressalva à “regra de ouro” é uma dessas normas, como será explanado adiante no presente texto.
Quanto ao art. 165, § 8º, cujo teor é conhecido como o “princípio constitucional orçamentário da exclusividade”, o objetivo é oferecer proteção às matérias sujeitas à apreciação por intermédio do processo legislativo ordinário, e não à peça orçamentária, como inicialmente se poderia inferir.
Como cediço, as leis do processo orçamentário (PPA, LDO, LOA, Créditos Adicionais) são apreciadas de maneira muito célere. Desse modo, ao evitar que a Lei Orçamentária e as Leis de Crédito Adicional contemplem matéria estranha à previsão de receitas orçamentárias e à fixação de despesas orçamentárias, o princípio da exclusividade impede que temas de extrema importância sejam tratados e aprovados, no âmbito do Parlamento, sem a maturação, análise e cuidado necessários.
Por certo, se as leis orçamentárias não podem tratar de outro tema, também não se admite – agora para a proteção do processo legislativo orçamentário – que leis aprovadas no âmbito do processo legislativo ordinário tratem de temas reservados à lei orçamentária, a crédito adicional, ao plano plurianual e à lei de diretrizes orçamentárias.
AUTORIZAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO NO SETOR PÚBLICO
No âmbito do setor público, a contratação de qualquer operação de crédito – seja ela de natureza orçamentária ou extra orçamentária - depende de prévia autorização legislativa.
Em geral, tal autorização é concedida por intermédio do processo legislativo ordinário, e não por intermédio do processo legislativo orçamentário, uma vez que referida autorização representa matéria de natureza não orçamentária. Permite-se, inclusive, a edição de medida provisória para tal finalidade, porquanto não existir qualquer vedação nesse sentido no corpo do art. 62 da Carta da República.
No entanto, como exceção ao princípio constitucional orçamentário da exclusividade, é possível, por economia processual, que as operações de crédito sejam autorizadas – e não contratadas – por intermédio da lei orçamentária ou por intermédio das leis de crédito adicional. Inclusive, convém observar, ainda que a operação de crédito seja de natureza extra orçamentária, é possível autorizar a contratação das mesmas no âmbito do processo legislativo orçamentário, por intermédio da LOA ou de créditos adicionais.
Frise-se, a possibilidade de se autorizar a realização de operações de crédito também por intermédio do processo legislativo orçamentário encontra reconhecimento do texto do art. 32, § 1º, inciso I, da LRF, in verbis:
“Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.
§ 1º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:
I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;” (Grifou-se)
Mais ainda, o próprio art. 167, III, da Carta Magna de 1988, que traz a “regra de ouro” e sua ressalva, é claro no sentido de determinar que referida ressalva somente possa ser concedida no âmbito do processo legislativo orçamentário, por intermédio da aprovação de crédito adicional com maioria qualificada (maioria absoluta). Em outras palavras, não há como ressalvar a “regra de ouro” por intermédio do processo legislativo ordinário, haja vista a determinação de que a operação de crédito a ser autorizada deve ser necessária e obrigatoriamente apreciada em conjunto com a respectiva despesa (com finalidade precisa). Repita-se a parte final da “regra de ouro”, para perfeito entendimento, in verbis:
“Art. 167, III – (...) ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;”
A ELABORAÇÃO DA PEÇA ORÇAMENTÁRIA E AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO
O encaminhamento do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) ao Poder Legislativo é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo; o mesmo se pode afirmar em relação aos Projetos de Lei de Crédito Adicional (PLCAdic.). Significa dizer que, na União, somente ao Presidente da República compete dar início ao processo legislativo destinado a aprovar a lei orçamentária anual e os créditos adicionais.
Nesse sentido, determina a Constituição de 1988 que o Chefe do Poder Executivo, quando encaminhar o PLOA ao Congresso Nacional, deverá fazê-lo de acordo com as normas estabelecidas pela Lei Complementar de Direito Financeiro e Orçamento a que se refere o art. 165, § 9º, da Carta Política de 1988, in verbis:
"Art. 166. Omissis
§ 6º Os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual serão enviados pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º". (Grifou-se)
Referida lei complementar deveria dispor, entre outros assuntos, sobre, in verbis:
“Art. 165, § 9º - Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;” (Grifou-se)
Ocorre que referida lei complementar ainda não foi aprovada. Porém, sob a égide da Constituição da República de 1946 foi editada a Lei 4.320/64, que estabeleceu, à época, de acordo com seu art. 1º: “normas gerais de direito financeiro, para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no art. 5º, inciso XV, letra b, da Constituição Federal”. Assim, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (ADIn nº 1.726-5), referida lei foi recepcionada pela atual Carta Magna com status de lei complementar, excetuados, evidentemente, os dispositivos que se mostrarem incompatíveis com o ordenamento constitucional em vigor.
Isso posto, correto concluir no sentido de que, ao elaborar o PLOA2019, o Chefe do Poder Executivo Federal deverá observar as regras trazidas pela Lei 4.320/1964.
Em seu artigo 3º, a Lei 4.320/1964 traz o princípio orçamentário da universalidade associado às receitas. Tal mandamento exige que o gestor público, ao elaborar o PLOA, dele faça constar a estimativa para todas as receitas (de natureza orçamentária) que espera arrecadar ao longo do exercício financeiro ao qual se refere o projeto. Referido dispositivo está assim positivado:
"Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.
Parágrafo único. Não se consideram para os fins deste artigo as operações de credito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros". (Grifou-se)
Convém ressaltar que ao elaborar a estimativa das receitas, seja no PLOA ou em qualquer projeto de lei de crédito adicional, é dever do gestor observar o disposto pelo art. 12, caput, da Lei de Responsabilidade Fiscal, em especial no que tange às normas técnicas e legais in verbis:
"Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas". (Grifou-se)
Nesse caso, mais atenção ainda deve dispensar o gestor quando tais normas técnicas e legais são trazidas pela própria Lei 4.320/1964. Como se pode depreender da leitura do art. 3º, é preciso que as operações de crédito tenham sido autorizadas poder legislativo. Aliás, referida condição é reproduzida por mais dois dispositivos da Lei 4.320/1964. É o caso, por exemplo, do art. 7º, § 2º, da lei, in verbis:
"Art. 7° A Lei de Orçamento poderá conter autorização ao Executivo para:
§ 2° O produto estimado de operações de crédito e de alienação de bens imóveis somente se incluirá na receita quando umas e outras forem especìficamente autorizadas pelo Poder Legislativo em forma que jurìdicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las no exercício". (Grifou-se)
Transcrito dispositivo é de clareza ímpar. Diz ele que, ainda que seja possível ao gestor efetuar a estimativa das receitas de operação de crédito e ainda que, por força do princípio constitucional orçamentário da universalidade, o mesmo deva levar ao orçamento tais estimativas, as mesmas só poderão integrar a peça orçamentária caso tenham sido autorizadas previamente e que, frise-se, tal autorização tenha sido concedida em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizar as operações de crédito ao longo do exercício.
Tal determinação também é trazida pelo art. 43 da Lei 4.320/1964, que lista as fontes de recursos que podem ser utilizadas para a elaboração e aprovação de créditos adicionais. In verbis:
"Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa.
§ 1º Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos:
IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realizá-las". (Grifou-se)
Não é possível ao Chefe do Executivo, portanto, inserir no PLOA estimativas para operações de crédito que não tenham sido autorizadas, ainda mais se referida inserção der azo ao descumprimento da "regra de ouro".
Assim, em face da expressa determinação contida no texto constitucional (art. 166, § 6º) no sentido de que o Chefe do Poder Executivo deve encaminhar o PLOA ao Poder Legislativo nos termos da Lei 4.320/1964, parece mais do que razoável inferir que o mesmo, ainda que assim desejasse, não possa, em razão da determinação contida no art. 7º, § 2º, da Lei 4.320/1964, elaborar o mesmo com descumprimento da "regra de ouro".
Impedido, assim, por determinação técnica e legal, de levar ao PLOA o montante de todas as receitas com operação de crédito (posto que não seria juridicamente possível realizá-las), não haverá, por evidente, em razão do princípio do equilíbrio, como inserir na peça orçamentária autorização para a realização de todas as despesas orçamentárias que seriam financiadas com tais receitas, ainda que parcela - ou mesmo a totalidade - de tais despesas seja de execução obrigatória. E a razão é simples: não há como autorizar gastos no orçamento sem a respectiva fonte de financiamento.
Desse modo, mesmo que o art. 4º da Lei 4.320/1964 determine que a lei de orçamento contemple todas as despesas dos órgãos do governo, é forçoso concluir no sentido de que o PLOA pode (deve) ser elaborado com o montante de despesas limitado ao total das fontes de recursos (receitas) possíveis de serem realizadas. Não há, pois, em face dos dispositivos legais transcritos acima e das premissas apresentadas neste texto, outra alternativa ao Chefe do Poder Executivo que não a de elaborar o PLOA com montante de despesas abaixo daquele que será necessário executar ao longo do exercício.
"Art. 4º A Lei de Orçamento compreenderá tôdas as despesas próprias dos órgãos do Govêrno e da administração centralizada, ou que, por intermédio dêles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°."
No caso, salvo melhor juízo, não haveria que se falar em "erro ou omissão" do Chefe do Poder Executivo. Ou seja, não se poderia alegar que o montante das receitas e das despesas no PLOA teria sido intencionalmente elaborado com erros de previsão ou com subestimativa de despesas. Pelo contrário! Ao que nos parece, os montantes estariam calculados e estimados corretamente e no limite do que permitem as normas técnicas e legais.
A RESSALVA À "REGRA DE OURO"
Como visto na seção precedente, as normas técnicas e legais impedem que se insira no PLOA o montante total de despesas que precisam ser realizadas ao longo do exercício a que se refere o projeto, isso porque, como destacado anteriormente, não haveria como estimar e inserir no projeto o valor de todas as operações de crédito que precisariam ser contratadas.
Desse modo, ao Chefe do Poder Executivo restaria, para dar solução à situação, adotar o procedimento determinado pela Carta Magna de 1988, qual seja: encaminhar projeto de lei de crédito adicional (suplementar ou especial) ao Congresso Nacional para que este, no âmbito do processo legislativo orçamentário, por maioria qualificada, autorize (ou não), concomitantemente, a realização da despesa (corrente, por certo) e a contratação das operações de crédito necessárias ao financiamento da mesma.
A questão a ser respondida é a seguinte: o Chefe do Poder Executivo poderia encaminhar, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Crédito Adicional destinado a ressalvar a "regra de ouro" em "paralelo" ao envio do Projeto da Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2019? Ou seja, seria possível dar início à tramitação no Congresso Nacional do PLCAdic que ressalvará a "regra de ouro" sem que o PLOA2019 tenha sido aprovado pelo Parlamento e sancionado pelo Poder Executivo?
Em qualquer entidade privada, em qualquer família e, também, no setor público existem situações (alterações de preço de produtos e serviços, criação ou extinção de órgãos, decisões judiciais, erro no planejamento e/ou estimativas etc) que demandam alteração nos orçamentos existentes, seja para reforçar o montante de uma dotação já autorizada (crédito adicional suplementar) seja para inserir nova dotação (crédito adicional especial).
Por certo, na dinâmica da execução "normal" do orçamento, tais necessidades de alteração se apresentam ao longo do exercício financeiro, no transcorrer da execução do orçamento. Para tanto, necessário que se envie ao Parlamento, por iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, projeto de lei de crédito adicional informando a respectiva fonte de recursos (anulação de despesas já existentes, excesso de arrecadação, superávit financeiro, operação de crédito ou recursos que em razão de veto, emenda ou rejeição do PLOA ficaram sem despesas correspondentes).
No âmbito do setor público, no entanto, existem situações que permitem ao gestor público, para a realização de gastos, a adoção de medidas e procedimentos excepcionais, a saber: (i) abertura de créditos adicionais extraordinários; (ii) reabertura de créditos adicionais especiais e extraordinários; e (iii) abertura de créditos adicionais em razão da rejeição do Projeto de Lei Orçamentária Anual.
Abertura de créditos extraordinários
Em condições normais, a alteração dos orçamentos demanda, como citado anteriormente, o envio de projeto de lei ao Poder Legislativo, para que este, se for o caso, assim autorize. Contudo, em caso de relevância e urgência, como em situações decorrentes de guerra, calamidade pública ou comoção interna, despesas poderão ser realizadas sem a necessidade de prévia análise por parte do Poder Legislativo. Para tanto, pode o Chefe do Poder Executivo efetuar a "abertura de créditos adicionais extraordinários". Tal procedimento está previsto no art. 167, § 3º, da Carta Política de 1988, in verbis:
"Art. 167. Omissis
§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62".
No caso da imensa maioria dos entes subnacionais (Estados, Municípios e Distrito Federal), a abertura dos créditos extraordinários se aperfeiçoa por intermédio da edição de um decreto pelo Chefe do Poder Executivo, que dele dá imediato conhecimento ao Poder Legislativo local. É o que reza o art. 44 da Lei 4.320/1964, in verbis:
"Art. 44. Os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que dêles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo".
No caso dos entes federados que adotaram a "medida provisória" em suas Constituições ou Leis Orgânicas, tal instrumento deve ser obrigatoriamente utilizado para a abertura dos créditos extraordinários, como determina o art. 62 da Carta Magna combinado com a parte final do art. 167, § 3º, transcrito acima. In verbis:
"Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional."
Ainda em relação à excepcionalidade dos créditos extraordinários, é possível fazer mais duas observações, no mínimo. A primeira delas, como já ressaltado acima, é que a Constituição permite a utilização da medida provisória para a abertura dos créditos adicionais extraordinários, ainda que proíba a edição de tal instrumento para o tratamento da própria Lei Orçamentária Anual, in verbis:
"Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;" (Grifou-se)
A segunda é que, quando se sua abertura, dispensa-se a indicação dos recursos correspondentes e a exigência de prévia autorização legislativa, in verbis:
"Art. 167. São vedados:
V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;"
Por último, frise-se que a edição dos créditos extraordinários independe da existência de uma Lei Orçamentária Anual aprovada ou sancionada. Aliás, são diversos os exemplos que poderiam ser apresentados de créditos extraordinários que foram abertos sem que a peça orçamentária tivesse sido aprovada no âmbito do Congresso Nacional.
Reabertura de créditos especiais e extraordinários
O processo legislativo destinado à aprovação da Lei Orçamentária Anual prevê que o Chefe do Poder Executivo deve encaminhar o PLOA ao Parlamento até 4 (quatro) meses antes do encerramento do exercício financeiro.
Referida data marca o fim da etapa da "elaboração" do PLOA (notadamente organizada e comanda pelo Poder Executivo) e representa o início da etapa da "discussão e aprovação do PLOA"; etapa essa que ocorre no âmbito do Parlamento e por ele é comandada.
Conforme autoriza o art. 166, § 5º, da Constituição, o Presidente da República pode intervir no processo de discussão e aprovação do PLOA, in verbis:
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
§ 5º O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos a que se refere este artigo enquanto não iniciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta.” (Grifou-se)
Contudo, há que se reconhecer que os graus de liberdade atribuídos ao Chefe do Poder Executivo para a promoção de alterações no PLOA e nos créditos adicionais são muito mais limitados do que aqueles que detém ao longo da etapa da "elaboração" de tais projetos.
Feitas essas breves e iniciais considerações, o que precisaria ser feito se, nos últimos meses do exercício financeiro de 20X1, o Chefe do Executivo (ou de qualquer outro Poder ou órgão) se deparasse com a seguinte situação:
(i) houve a criação de um órgão na estrutura do Poder Executivo;
(ii) seria necessário inserir autorização na LOA20X1 para que o novo órgão realizasse seus dispêndios ainda em 20X1;
(iii) seria necessário inserir autorizações no PLOA20X2 para o novo órgão realizar suas despesas no exercício financeiro de 20X2; e
(iv) já teria transcorrido o prazo para a promoção de alterações no PLOA20X2 em tramitação no Poder Legislativo.
O que fazer nessa situação se for altamente necessário que o novo órgão realize seus gastos logo nos primeiros dias de 20X2?
Para obter autorizações para o ano de 20X1, o Chefe do Poder Executivo precisaria encaminhar PLCAdic Especial ao Congresso Nacional. No entanto, para obter autorizações para o exercício financeiro de 20X2, de tal modo que tais despesas pudessem ser realizadas ainda nos primeiros dias do ano de 20X2, seria preciso alterar o PLOA20X2 em tramitação no Legislativo, o que, como premissa adotada acima, não seria possível, posto que já transcorrido o prazo para a promoção de alterações no projeto. Nesse caso, portanto, o exercício de 20X2 iria ter início sem qualquer autorização de gasto para o novo órgão, e as despesas altamente necessárias sofreriam solução de continuidade.
O remédio trazido pela Constituição de 1988 para tal situação é aquele positivado pelo art. 167, § 2º, in verbis:
"Art. 167. Omissis
§ 2º Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente".
Desse modo, caso o PLCAdic Especial encaminhado seja autorizado nos últimos 4 (quatro) meses do exercício financeiro de 20X1, será possível, no início de 20X2, por intermédio da edição de decreto, promover a reabertura do mesmo (crédito especial), incorporando-se ao orçamento de 20X2, sem a necessidade da realização de qualquer outro procedimento legislativo, o saldo do crédito (autorização) ainda remanescente.
Tudo isso significa que o texto constitucional traz hipótese na qual, por intermédio da edição de ato infralegal, seria possível ao Chefe do Poder Executivo efetuar a inserção de despesa no orçamento de 20X2 sem a necessidade de que a mesma seja apreciada no âmbito do processo legislativo orçamentário de elaboração e aprovação do PLOA20X2. Nesse caso, frise-se, ainda que o PLOA20X2 não seja aprovado até o início do exercício de 20X2, as autorizações eventualmente reabertas pelo Chefe do Executivo serão as únicas despesas a comporem o orçamento de 20X2.
Em relação ao tema, cabe fazer um último comentário. A possibilidade de reabertura de créditos adicionais especiais e extraordinários já era prevista pela Lei 4.320/1964, mas com diferenças relevantes, in verbis:
"Art. 45. Os créditos adicionais terão vigência adstrita ao exercício financeiro em que forem abertos, salvo expressa disposição legal em contrário, quanto aos especiais e extraordinários". (Grifou-se)
Como se pode depreender da leitura do art. 45 da Lei 4.320/1964 (não recepcionado pela Carta Magna de 1988, em razão de absoluta incompatibilidade com o disposto pelo art. 167, § 2º), a prorrogação dos créditos adicionais especiais e/ou extraordinários dependia de prévia autorização do Poder Legislativo, o que, como exaustivamente apresentado acima, não é uma exigência do atual texto constitucional.
Créditos Adicionais e a Rejeição do PLOA
O processo legislativo orçamentário admite a possibilidade de rejeição do Projeto da Lei Orçamentária Anual pelo Poder Legislativo. Tal possibilidade está presente no corpo do art. 166, § 8º, da Constituição de 1988, in verbis:
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
§ 8º Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa.” (Grifou-se)
O ato de rejeitar o Projeto de Lei Orçamentária Anual implica não apreciação, por completo, pelo Parlamento, de referida proposição. Ou seja, com a rejeição, o Poder Legislativo encerra o processo destinado à apreciação da respectiva matéria.
Em relação ao tema em apreço, determina o art. 67 da Carta Magna o seguinte, in verbis:
“Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.”
A questão que se coloca é se o art. 67 seria aplicável à situação de rejeição do PLOA.
Creio que uma resposta definitiva para tal pergunta demanda análise mais detida (talvez numa postagem futura deste Blog). Por ora, entendo não ser aplicável, posto que, conforme estabelece o art. 166, § 8º, todas as receitas que estavam estimadas no PLOA rejeitado poderão ser utilizadas por intermédio de créditos adicionais. Ou seja, seria perfeitamente possível autorizar despesas com base nas estimativas de receitas que estavam contidas no PLOA rejeitado. E a razão para isso é simples: a obtenção/arrecadação de receitas pelo setor público independe da existência de lei orçamentária aprovada, mas a realização de despesas públicas depende, em regra, da concessão de autorização legislativa prévia.
Isso posto, parece ser razoável inferir que existe a possibilidade de que, em razão da rejeição do PLOA, determinado exercício financeiro tenha início sem que exista uma lei orçamentária aprovada. Nesse caso, continuaria perfeitamente aplicável, a meu sentir, o procedimento estabelecido pelo art. 166, § 8º, da Carta de 1988. Nesse caso, portanto, créditos adicionais poderiam ser aprovados, ainda que inexistente lei orçamentária.
Em outras palavras: existem situações em que apresentação de projeto de lei de crédito adicional independe da existência de orçamento originariamente aprovado. Ou seja, os créditos adicionais não são, necessariamente, acessórios à Lei Orçamentária Anual.
Os casos excepcionais apresentados neste texto parecem ser muito claros nesse sentido:
(i) a abertura de crédito adicional extraordinário pode ocorrer independentemente da existência de uma lei orçamentária aprovada;
(ii) a reabertura de créditos especiais e/ou extraordinários pode ocorrer ainda que não exista uma lei orçamentária aprovada; e
(iii) a utilização dos recursos que ficaram sem despesas correspondentes em razão de rejeição do Projeto da Lei Orçamentária Anual também independe da aprovação prévia de uma lei orçamentária.
COMENTÁRIOS FINAIS
Como visto, da mesma forma que (i) a edição de medida provisória de crédito extraordinário (ii) a reabertura de créditos especiais e extraordinários, e (iii) a utilização de recursos que ficaram ociosos em decorrência da rejeição do PLOA, a ressalva à "regra de ouro" é mais um procedimento legislativo orçamentário excepcionalíssimo trazido pela Carta Política de 1988.
Vale ressaltar, por oportuno, que a ressalva à "regra de ouro" trata-se da única hipótese em que a Carta Magna de 1988 exige a aprovação de lei ordinária por maioria absoluta.
Nesse sentido, ao mesmo deve dar-se tratamento também excepcional. Não é possível analisar tal temática e estabelecer seus limites e condicionantes com base no processo normal de elaboração e execução orçamentárias.
CONCLUSÕES
Existem normas técnicas e legais que condicionam a estimativa de receitas com operações de crédito no Projeto de Lei Orçamentária Anual ou e nos Projetos de Lei de Crédito Adicional.
A estimativa de receitas no Projeto de Lei Orçamentária Anual deve observar a "regra de ouro".
Não existe a possibilidade de se inserir despesas no Projeto de Lei Orçamentária Anual sem que se informe a respectiva fonte de recursos.
O total das despesas que se deve inserir no Projeto de Lei Orçamentária Anual deve estar limitado ao total das receitas possíveis de serem realizadas ao longo do exercício.
A elaboração de Projeto de Lei Orçamentária Anual com montante de despesas limitado ao total possível das receitas não constitui erro ou omissão do gestor público, tampouco subestimativa de despesas.
A ressalva à "regra de ouro" é procedimento legislativo excepcionalíssimo e, como tal, deve analisado, para que infira seu alcance e limites procedimentais.
A iniciativa do processo legislativo destinado a ressalvar a "regra de ouro", via encaminhamento do Projeto de Lei de Crédito Adicional Suplementar ou Especial a que se refere a parte final do art. 167, § 3º, da Constituição de 1988, pode ocorrer em paralelo ao envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual.
O encaminhamento, ao Congresso Nacional, em paralelo ao Projeto de Lei Orçamentária Anual, do Projeto de Lei de Crédito Adicional destinado a ressalvar a “regra de ouro” é uma determinação constitucional e se mostra procedimento compatível com os pressupostos da transparência na gestão fiscal.
FIM

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